“Em
parceria, Google e Facebook lançam app para bloquear mensagens
tristonhas de pós-adolescentes em eterna crise. Um dos principais filtros utilizados no aplicativo identificará menções à poetisa Cecília Meireles. As mensagens serão imediatamente bloqueadas e o usuário será julgado por um tribunal russo - sem direito a defesa.”
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
A dor de morrer
A dor de morrer
É a dor de quem fica ou
de quem vai,
dizem.
(E quem decreta o fim,
nada sente?)
sábado, 30 de novembro de 2013
Vida de Cão
Agora há pouco:
No restaurante, converso com a moça do caixa sobre as filhas dela, sobre a infância, sobre o que há de mais belo na vida.
Gula saciada, esperança e humor renovados, saio à rua.
Na calçada, um cachorro - porte médio, bonito, marrom - passa em desabalada carreira rumo a um cruzamento movimentado. Segundo depois, o barulho da freada, seguido de ganidos de dor e desespero.
Atropelado; morto, provavelmente.
Uma criança arteira poderia tê-lo enxotado em direção diversa, ele poderia correr mais rápido ou devagar, o motorista poderia estar em outro lugar no espaço naquele momento (bastariam metros)...
Mas não.
Merda isso.
Às vezes eu penso que deus e diabo são dois fanfarrões, dois narcisistas neuróticos e inseguros que se alimentam da desgraça de todas as criaturas.
Ou talvez sejam um só, ou talvez sejam sete bilhões espalhados pelo planeta, ou talvez nem sejam, o que seria ainda pior - ou não, vai saber.
Ou deus, talvez, seja deliberadamente omisso para medir a nossa força de vontade, a nossa fé, para permitir o nosso crescimento pelo enfrentamento do calvário pessoal.
O segredo dos tais "desígnios divinos"...
Sempre na corda-bamba, esta é a nossa condição. Mais liberdade é menos segurança, e vice-versa.
Um cão morreu, convalescentes convalescem, sofredores sofrem, nascimento, crescimento e morte... mas, como cantam os Titãs, "o pulso ainda pulsa", e isto é suficientemente belo e promissor.
(São pensamentos de todos nós, presumo, e que convém calar.)
No restaurante, converso com a moça do caixa sobre as filhas dela, sobre a infância, sobre o que há de mais belo na vida.
Gula saciada, esperança e humor renovados, saio à rua.
Na calçada, um cachorro - porte médio, bonito, marrom - passa em desabalada carreira rumo a um cruzamento movimentado. Segundo depois, o barulho da freada, seguido de ganidos de dor e desespero.
Atropelado; morto, provavelmente.
Uma criança arteira poderia tê-lo enxotado em direção diversa, ele poderia correr mais rápido ou devagar, o motorista poderia estar em outro lugar no espaço naquele momento (bastariam metros)...
Mas não.
Merda isso.
Às vezes eu penso que deus e diabo são dois fanfarrões, dois narcisistas neuróticos e inseguros que se alimentam da desgraça de todas as criaturas.
Ou talvez sejam um só, ou talvez sejam sete bilhões espalhados pelo planeta, ou talvez nem sejam, o que seria ainda pior - ou não, vai saber.
Ou deus, talvez, seja deliberadamente omisso para medir a nossa força de vontade, a nossa fé, para permitir o nosso crescimento pelo enfrentamento do calvário pessoal.
O segredo dos tais "desígnios divinos"...
Sempre na corda-bamba, esta é a nossa condição. Mais liberdade é menos segurança, e vice-versa.
Um cão morreu, convalescentes convalescem, sofredores sofrem, nascimento, crescimento e morte... mas, como cantam os Titãs, "o pulso ainda pulsa", e isto é suficientemente belo e promissor.
(São pensamentos de todos nós, presumo, e que convém calar.)
quinta-feira, 20 de junho de 2013
Direito de resistir
Eu nunca assinei o tal contrato social (se o fiz, anulo-o por vício de vontade).
A História da Liberdade
Naquela época, cada um ao seu jeito, em sua casa, à noite, no ensaio do porvir - eterna esperança que ainda palpita -, cada um ao seu jeito, eu dizia, cerrava fileiras em frente ao mesmo general: a televisão, depois transmutada para telas cada vez menores e conectadas entre si.
Diziam-se livres, mas só na medida em que isso lhes era autorizado, e principalmente quando presos dentro de casas de consumo; mas, o mais estranho, efetivamente sentiam-se livres, caso evidente de desvio cognitivo coletivo.
Os cães sem dono - que depois, descobriu-se por acaso durante uma cirurgia em que o veterinário esquecera-se da anestesia, sabiam falar (e praguejar) - é que eram livres: não trabalhavam, tomavam banho de chuva e eram alimentados por tias gordas e solteiras.
domingo, 3 de março de 2013
Dois Demônios
Dois demônios contemplam a Humanidade. Constrangido, um deles pensa em intervir para remediar um pouco a situação.
- Eles já pensaram em...
- Não os distraia! - interrompeu o outro, de súbito. Por acaso sabes o tamanho da fome com que acorda um urso depois de um longo período de hibernação? Haveria revoltas, os corruptos seriam queimados em praça pública, o capital seria melhor distribuído, as escolas ensinariam para a vida e não para o trabalho... Enfim, uma vez acordados, os Homens implantariam a Justiça Social. Seria como se o Reino dos Céus descesse à Terra.
Depois de algum silêncio, o primeiro indagou:
- E nós? Seríamos escorraçados, também?
- Claro que não. Ficaríamos na assessoria jurídica.
- Eles já pensaram em...
- Não os distraia! - interrompeu o outro, de súbito. Por acaso sabes o tamanho da fome com que acorda um urso depois de um longo período de hibernação? Haveria revoltas, os corruptos seriam queimados em praça pública, o capital seria melhor distribuído, as escolas ensinariam para a vida e não para o trabalho... Enfim, uma vez acordados, os Homens implantariam a Justiça Social. Seria como se o Reino dos Céus descesse à Terra.
Depois de algum silêncio, o primeiro indagou:
- E nós? Seríamos escorraçados, também?
- Claro que não. Ficaríamos na assessoria jurídica.
Grandes Verdades
As pequenas preocupações são as maiores:
que importam bombas estouradas n'alguma das coreias
quando o botão da camisa caiu?
Visita na hora do futebol deveria ser recebida a rigor:
um carrinho no ligamento cruzado anterior.
Nas lojas de inconveniência vende-se de tudo:
parentes desconhecidos,
locutores de rodeio,
gripes de verão,
noites de domingo,
mochileiros de agência de viagem,
a condição humana.
A história da humanidade
- não a história verdadeiramente sucedida, mas a que nos contam -
é uma estória.
que importam bombas estouradas n'alguma das coreias
quando o botão da camisa caiu?
Visita na hora do futebol deveria ser recebida a rigor:
um carrinho no ligamento cruzado anterior.
Nas lojas de inconveniência vende-se de tudo:
parentes desconhecidos,
locutores de rodeio,
gripes de verão,
noites de domingo,
mochileiros de agência de viagem,
a condição humana.
A história da humanidade
- não a história verdadeiramente sucedida, mas a que nos contam -
é uma estória.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
La Puerta
É essa porta
que abrefecha
que abrefecha
fechaabre
e - o pior!, o mais horrendo! - às vezes nem fecha.
Essa porta pela qual
entragente
saigente
De tudo que é cor e jeito, mas sempre fazendo barulho.
É essa porta que eu quero encontrar um dia, prosopopeiada, para lhe dar um bom murro nas fuças.
Essa porta pela qual
entragente
saigente
De tudo que é cor e jeito, mas sempre fazendo barulho.
É essa porta que eu quero encontrar um dia, prosopopeiada, para lhe dar um bom murro nas fuças.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
Saturno
Vinte anos depois de sua primeira noitada, Gedson foi obrigado a parar de beber. Foi diagnosticado com diverticulite tuberculosa sistêmica nos quatro anéis de Saturno, uma doença grave que o médico inventou a pedido de Edna, a esposa do paciente.
Durante sete dias Gedson pensou, balbuciou, teve espasmos, revelações, até filosofou: ou ele ou a bebida. A esta altura, dizia o médico, a doença – rara, raríssima, não adiantava consultar o Dr. Google – alcançava o sexto anel de Saturno. Ou o bêbado parava, ou seria parado.
E Gedson parou.
Passou a freqüentar as oportunas reuniões do Colégio das crianças, comparecia aos fantásticos almoços de família aos domingos, organizava o emocionante bingo da terceira idade, patrocinava causas sociais de todas as ordens... enfim, transmutou-se em um lorde inglês metrossexual politicamente correto.
E em tudo isso fazia questão de envolver a esposa, a quem chamava de musa inspiradora responsável por sua recuperação.
Nos dias de bingo, acordava-a às 3 da manhã para que conferisse se todas as cartelas estavam em condições de uso. Em um dos almoços de família, apresentou-a ao primo Roterdã, que lhe tomou um final de semana inteiro com histórias fantásticas sobre filatelia e escoteirismo. Também fez questão de ajudar na educação das crianças, e adquiriu uma guitarra elétrica para o filho adolescente aprender a arte do black metal norueguês vociferado - com a condição inegociável de que a mãe acompanhasse a evolução musical diariamente.
Envolvia-a de tal forma nas atividades que Edna sentiu falta das novelas das 9 – e também das 2, das 3, das 6 e das 7. E da sua vida.
Gedson parou mesmo. Parou tanto que foi obrigado a parar de parar: virou um chato de galochas. E o médico, também a pedido da esposa, diagnosticou um novo mal: formigamento contínuo nas vísceras externas do tímpano cetáceo. Fobia social que era, impunha-se o convívio com os pares.
Foi assim que Gedson, o estrategista, voltou ao mesmo bar de sempre.
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