sábado, 30 de novembro de 2013

Vida de Cão

Agora há pouco:
No restaurante, converso com a moça do caixa sobre as filhas dela, sobre a infância, sobre o que há de mais belo na vida.
Gula saciada, esperança e humor renovados, saio à rua.
Na calçada, um cachorro - porte médio, bonito, marrom - passa em desabalada carreira rumo a um cruzamento movimentado. Segundo depois, o barulho da freada, seguido de ganidos de dor e desespero.
Atropelado; morto, provavelmente.
Uma criança arteira poderia tê-lo enxotado em direção diversa, ele poderia correr mais rápido ou devagar, o motorista poderia estar em outro lugar no espaço naquele momento (bastariam metros)...
Mas não.
Merda isso.
Às vezes eu penso que deus e diabo são dois fanfarrões, dois narcisistas neuróticos e inseguros que se alimentam da desgraça de todas as criaturas.
Ou talvez sejam um só, ou talvez sejam sete bilhões espalhados pelo planeta, ou talvez nem sejam, o que seria ainda pior - ou não, vai saber.
Ou deus, talvez, seja deliberadamente omisso para medir a nossa força de vontade, a nossa fé, para permitir o nosso crescimento pelo enfrentamento do calvário pessoal.
O segredo dos tais "desígnios divinos"...
Sempre na corda-bamba, esta é a nossa condição. Mais liberdade é menos segurança, e vice-versa.
Um cão morreu, convalescentes convalescem, sofredores sofrem, nascimento, crescimento e morte... mas, como cantam os Titãs, "o pulso ainda pulsa", e isto é suficientemente belo e promissor.
(São pensamentos de todos nós, presumo, e que convém calar.)