quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

No dia em que eu escrevinhar como o Saramago

No dia em que eu! escrevinhar como o Saramago ou ainda; pior internem-me porque afinalº de contas eu não tenho - cacife para espetar os - gramáticos?

A Historieta

A historieta
Que vou contar
Não tem início nem meio:
é como o parente desconhecido, que só aparece quando morre.
Pois bem.
A historieta
Que vou contar
- um momento: bate à porta a velha usurária;
simulo, quieto, a minha própria ausência.
Foi-se a velha.
A historieta
--- bleeeeeeeeeeeeeeemmmmmm! ---
É o gato cego e manco, que teima em invadir a cozinha pela janela e por sobre as panelas; esqueceu-se, já velho, que é da casa...
A historieta
Tem contornos de romance russo e novela mexicana:
Não porque a mocinha de origem humilde ostenta uma barba métrica, mas por motivos de menor interesse.
(Ajeito a minha poltrona, que o gato espreme-se sob a minha lombar.)
Sem falsa modéstia, é uma estória digna de prêmios, adianto.
Pois bem.
Lá vai.
Fomos todos, naquela tarde ensangüentada, ao casamento do gago com a tautologia, que por um átimo trocou o nome de sua quase esposa – sim, quase, pois ela se escafedeu pelo ocorrido, não sem antes defenestrar o quase esposo -, um equívoco lastimável mas finalmente compreendido pela ainda noiva, que só se espantou mesmo quando todos os convidados opuseram-se ao casório: é que o noivo era escritor nas horas vagas... e dos bem ruins!

Tião

Naquele dia levantou-se mais tarde.
Não tomou café, mas jantou.
Churrasqueou em seguida, com cerveja e VT do futebol.
Passou o ônibus, ele ficou: iria depois, o chefe que se danasse.
Tomou as rédeas da própria vida.
Afinal, era ainda um rapaz – 26 aninhos...
Sentia-se uma peça excedente na engrenagem do que diziam civilizado.
A barba cresceu, assim como o cabelo e o tamanho da alma.
Coturno velho nos pés, caminhou sem destino.
Voltou, voltava, voltaria talvez e de novo tornaria a ser.
Definitivamente, não. E sim.
Era livre.

Homo no sapiens

Será que é disso que eu necessito
Ou disso e mais aquilo
E de tudo que eu tenho e que tu tens
- Deus, não permita que eu caia em tentação
Não daquelas que não possa saciar

Gente (in)segura

E essa gente sisuda e cheia de si, hein? Sim, essa gente que tem resposta pra tudo, que estufa o peito, olha ao longe e cumprimenta com empáfia, que não tem dúvida sobre a criação dos filhos e nem sobre política, metafísica ou o raio que o parta.

Essa gente existe?

A segurança dessa gente, sei muito bem, esconde uma insegurança que deixaria corar a mais pudica adolescente do interior (se é que ainda temos adolescentes do interior, no sentido romancesco; acho que hoje só temos as nabokovianas).

Os aparentemente seguros são os mais inseguros: é exatamente para não aflorar a sua insegurança que erguem uma fortaleza diante do mundo; se pudessem evitariam o contato social; o coração grita "terra à vista!", essa gente faz ouvidos moucos e aproa longe.

Essa gente, como dizia o cantor, tem a segurança de quem não sai do mesmo lugar. São pedras que não rolam.

Se as flores de plástico não morrem, gente de plástico não vive...

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Saltitante

Aquela menina
- que saltita sobre as poças d´água,
finalmente livre dos taciturnos dias de garoa fina -
Aquela menina, dizia eu, mal sabe que o inverno acontece de ano em ano...
(E é por não saber, talvez, que saltita como saltita.)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre a decadência


...estilhaçado o mais fino cristal, os convivas trataram logo de achar um culpado: era a empregada, que não aparecia pra limpar.

Seguiu-se o baile; mas agora, perdido o pudor inicial, os festantes jogavam vinho nas cortinas de seda, falavam em alto som, vomitavam sobre os tapetes de peles e transavam em pé sobre as mesas de vime.

(Séculos depois, contariam os livros, a decadência seria culpa da empregada.)

W.

W. se considera escritor de sucesso no além-mar, embora nem ele nem seus livros conheçam algo mais oriental que o litoral gaúcho.
Tem um prêmio Jabuti na estante de casa, mas teme que Silvério, o presunçoso genro policial, descubra que a peça foi parar lá.
Também tem um fusca '81 que lhe é motivo de desgosto: é que o corpo de sua sogra, segundo cálculo feitos e refeitos cuidadosamente ao longo dos anos, não caberia no portamalas...

W., o pocilialesco escritor de romances pornográficos.

On The Sunny Side Of The Street

“Vamos atravessar pro lado ensolarado da rua!”, disse Lili. E eu, absorto em pensamentos mil, assenti. Não percebi que tudo o que ela queria era barganhar um sorvete.

Começo a pensar que todas as crianças do mundo têm sociedade com os vendedores de sorvete...

sexta-feira, 6 de julho de 2012

A auto-estima do Homem-Elefante

Eu tenho medo do que se passa na cabeça de David Lynch, diretor de cinema que apresenta uma mórbida predileção por figuras estranhas e bizarras. *

Depois do enigmático - e pungente, tocante, nojento, inesquecível e incompreensível - Eraserhead, o diretor voltou à carga com O Homem-Elefante, história (real) de um homem com deformações físicas.

Não vou aqui lhes contar a história, mas tenho que admitir que a cena em que o personagem monstrengo reage à curiosidade opressiva com gritos de "Eu não sou um animal, eu sou humano, eu sou um homem!" calou fundo na minha cabeça.

O curioso é que há quem se submeta voluntariamente à subcondição de animal em exposição, a exemplo das celebridades, psicóticos enamorados e servidores comissionados (?).

É aqui que eu lembro de algo que li em Dostoiévksi: "Um homem sem orgulho próprio tende a ser aniquilado".

(Pausa para meditação.)

Para ser justo, 19 anos depois David Lynch filmou o belo Uma História Real, em que um velho teimoso atravessa um estado estadunidense a bordo de um cortador de grama, tudo para se reconciliar com seu irmão doente.

Morangos Silvestres



Cultive e seja fiel aos bens da sua infância - é o que ensina este ótimo filme do sueco Ingmar Bergman.

O Dr. Isak Borg, personagem central do filme, é um médico e professor de idade que dedicou a vida ao trabalho, ao estudo e à ciência, deixando de lado a família e os amigos. Aliás, ele não tem amigos, senão uma rígida empregada, uma nora que o odeia e um filho distante.

Lá pelas tantas ele passa a sofrer de sonhos de significados cifrados; é tocado por estas "revelações" e daí decide que deve viver um pouco a vida e, no possível, reparar os danos históricos que causou a si mesmo.

A viagem necessária para receber um prêmio por mérito médico já não é feita na impessoalidade de um avião, mas de carro e na companhia de sua nora. No caminho, visita a sua casa de infância (onde, ao lado do canteiro dos morangos silvestres, contempla momentos passados) e conhece alguns outros personagens (o vivaz trio de enamorados; o estressante casal em eterno atrito; os simples e amáveis trabalhadores de sua cidade natal; a velha mãe que finge não ter saudades do filho), o que transforma uma viagem banal em uma experiência única.

A mensagem do filme é sutil: "Vivamos!", é o grito mudo que se ouve ao final.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Rubor



Eu lembro. Foi ontem. Ou anteontem. Mas eu lembro bem. Tudo isso já aconteceu, eu sei que sei muito bem. E o que estão dando por ocorrido nunca sucedeu, na verdade.

Acham que me enganam. Será por causa dos óculos sobre o septo ou das rugas ou do caminhar cambaleante? Bem poderiam me respeitar, deixar-me só, à parte de tudo isso. Eu, que já não me deixo enganar...

"Aquele velho", devem cochichar em suas reunioezinhas, "aquele velho está aporrinhando. Está na hora de acabar com ele". Mas que venham, venham todos!!!

Venham com canhões, de baionetas em riste ou com artes marciais ou até ocultas: o que trago dentro de mim é inatingível, é metafísico.

Venham com as cores das mais variadas nações, que pra mim tanto faz: a mentira, além de perna curta, tem sempre a mesma cor: o rubor.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Breve Fábula Sobre as Pequenas Empolgações Coletivas


...e diante de toda a confusão dos dias atuais, o velho registrador dirigiu-se aos pais da criança:

- E o sexo? Qual será o sexo dela?

Os pais, que até então não haviam conversado a respeito, concluíram que a natureza deveria decidir. Não consideravam justo impor à filha que representasse um ou outro papel na vida. Afinal – disse o pai, com o dedo em riste -, “quem define, limita”.

A isso se sucederam aplausos, lágrimas, gritos de emoção. Um vereador da pequena comuna proferiu um discurso inflamado sobre a liberdade do ser. O circo fez questão de desfilar pelo centro da cidade, e sobre o grande elefante branco foram cosidas as insígnias da modernidade: "Liberté, Egalité, Fraternité". Projetaram a construção de um enorme pórtico na entrada do lugarejo, para ilustrar a grandeza do povo local. Um filósofo grego, dado por morto há séculos, tornou a lecionar na praça central. A pacata cidade viveu os seus mais belos dias - dias de eufórico idealismo.

Alheio à empolgação geral, o escrevinhador assentou, serenamente: “A ver”.

E depois certificou: “Pais ausentes do ato”.

Rufino



Rufino era malandro.

Boina gasta, cigarro sem filtro na boca, havaianas nos pés, caminhava pelo calçadão com pose mas dinheiro de um rufino qualquer.

Era o que era, gente boa.

Só não gostava de playboy metido à besta - “malandro é malandro, mané é mané”, plagiava.

Dinheiro pouco nunca foi problema. Lá pelo fim do mês aprochegava-se daqueles poucos que ainda não tinham bebido o salário inteiro – coisa cada vez mais rara no bairro, pensava o Rufino economista-de-bar.

Animava a roda de samba do Bar do Cartola até a madrugada, até de manhã, fosse preciso.

Tinha mulher boa em casa.

Filhos no exército.

Rufino era boa praça.

Daí por que o rebuliço todo em torno de sua morte.

Devia pouco no Cartola, que acima de tudo era seu amigo de infância; os filhos moravam distante, sem contato; a mulher falava nada, presumiu-se que também não o faria.

O bairro parou. Das varandas todo mundo acusava todo mundo. Qualquer movimento em falso era motivo de desconfiança.

Como era questão de honra, os moradores de bem aceitaram de bom grado uma série de medidas policiais que em outros tempos seriam tachadas de autoritárias.

Teve gente inocente que ficou anos sem sair de casa. O trem que cortava o bairro passou a ignorar a estação: os viajantes não vinham mais, tamanha barafunda misantrópica.

Muita abstração, pouco empirismo. O delegado desistiu, encerrou o caso e foi pro bar sentir falta do amigo.

Sem suspeitos, criou-se o mito: Fúlcio Rufino – cujo corpo sumira, ficou somente uma mancha de sangue no tapete sujo da sala – foi pra outro bairro, pra praia, pra europa, até foi visto em filme na tv.

Voltava logo, o Rufino.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Carouselambra



Consultório frio, escuro, impessoal. O tiquetaque descompassado de um velho relógio de parede amplifica o silêncio imposto pela soberba autoridade médica. A luz opaca, que entra pela tímida janelinha de subúrbio, dá o tom cavernoso que a ocasião dispensa. Anamnese, seguida de auscultações por todo o corpo. A secretária entra e sai num passo rápido e nervoso, suscitando a ideia de que algo realmente está a acontecer.

O paciente sua frio. Pensa na família, na conta da padaria que a mulher talvez esqueça de pagar, no filho que sonha em ser jogador de futebol, mas que - o bairro todo sabe - antes deve resolver se quer ser homem ou mulher. Pensa até na mãe, jogada num asilo subsidiado por alguma obscura fraternidade de freiras antropófagas. Lembra que nunca aprendeu francês - "mas pra que porra isso ia servir agora, mesmo?", desanima.

Do lado de fora vem um miado, subitamente interrompido por um estampido e substituído por milhares de latidos intermitentes. "Antes o gato que eu", alegra-se. Em seguida cogita se não seria melhor morrer assim - um balaço na testa, sem dores nem remorsos.

O doutor, que havia saído em posse de um formulário amarelado com uma cruzinha em cima (ao que pôde ver, era uma cruzinha, tinha quase certeza), retorna ao consultório. Em tom áspero, sem a mesmo cerimônia dos tempos em que ajoelhava perante o juramento de hipócrates, sentencia:

- A próclise está mal, a mesóclise está fora do lugar e a ênclise... bem, a ênclise eu nem encontrei.

"Estou doente", pensa um moribundo cheio de vida. "Terrivelmente doente".

Dois Velhos


Caminhavam vagarosamente pelo mosaico da cidade. Ambos velhos e barbudos, sentiam-se estranhos naquela infindável histeria coletiva. IPods, o colorido dos outdoors, trânsito, música alta, a pressa difundida: não entenderam se era mesmo o fim dos tempos ou a realização completa da Humanidade.

- Há tantas necessidades assim?

- Agora há. Se não havia antes, alguém as inventou.

Mergulharam em um demorado silêncio contemplativo, daqueles que só os amantes e os bons amigos não têm medo.

Nos últimos anos sentiam-se estranhos estrangeiros; sentiam-se deslocados na terra que outrora viu crescer dois meninos cheios de vida; uma terra de cujos costumes afastaram-se ou foram afastados.

Em que momento perderam o contato com os outros?, não sabiam. Quando perderam a legitimidade social?, tampouco.

- São tempos de abastança, não achas? - disse um deles, que começava a apresentar sinais de senilidade.

- Pois eu prefiro os tempos de antes: tempos da bastança - concluiu o outro, minimalista.

Riram um riso embotado, um misto de nervoso com alegria pela proximidade do fim.

Suspiraram resignados.

* Com imagem de Oswaldo Goeldi

Rótulos (Escada ao Cadafalso)

Definir-me?
Das duas, uma:
Ou estaria a mentir,
Ou condenar-me-ia ao cadafalso.
(Neste caso, quão familiar este Sr. Samson!)


terça-feira, 6 de março de 2012

Old Scotch

É quando a criança d'outrora calça 43 que tu concluis que a tal velhice não é tão remota assim...